Histórias do bar

Histórias reais e experiências pessoais de quem viveu momentos marcantes no Viaduto da Borges, monumento ícone do Centro Histórico de POA.

O cardápio interativo do bar

O exclusivo cardápio do Armazém Porto Alegre, criado por nós mesmos antes de aparecer o Instagram, nasceu da necessidade de apresentarmos preços e produtos de maneira criativa e participativa, oferecendo a quem nos visita um meio físico, presencial e de duas mãos, de registrar seus momentos e passar a fazer parte da história do bar.

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Elaborado a partir de álbuns fotográficos, apresenta os preços e produtos, quase todos produzidos artesanalmente (chopp, pizzas, petiscos e paninis), somente nas primeiras páginas. As demais ficam a disposição dos clientes na seção “Feice Artesanal” dos cardápios, onde podem encartar suas impressões sobre o Armazém POA e a cidade, desenhos, fotos, recados, poesias, etc. Até um par de alianças de compromisso foram parar em um dos cardápios, além de recados tipo “Fora Temer” e outros em defesa da democracia, lá de 2014…

Já são quase 30 cardápios exclusivos e repletos de histórias nos 10 anos do bar. Mas para conhecer ou registrar a sua em um deles, só no presencial mesmo, onde a experiência se completa com um bom chopp artesanal apreciado num ponto turístico “tri legal”.

Feijoada na Escada, lá em 2015…

O recorte de uma notícia no jornal, exposta no bar para a equipe ficar por dentro do evento que poderia trazer participantes ao Armazém POA num sábado de Feijoada na Escada, acabou virando uma bela lembrança autografada por James Estrin (LENS – The New York Times), um dos principais palestrantes do Porto Alegre FestFoto anos atrás.

O recorte de uma notícia no jornal, exposta no bar para a equipe ficar por dentro do evento que poderia trazer participantes ao Armazém POA, acabou virando uma bela lembrança autografada por James Estrin, um dos principais palestrantes do Porto Alegre FestFoto anos atrás. Isso num sábado em que fazíamos a nossa tradicional Feijoada na Escada.

“Eu me lembro”, a declaração de amor de Paulo José a Porto Alegre

Em discurso, o ator revisitou suas lembranças, juntando musas, times, ruas, músicas, propagandas, filmes e poemas

Ayrton Centeno
Brasil de Fato | Porto Alegre | 12 de Agosto de 2021 às 00:32

No palco, com a filha Ana Kutner, apresentando o espetáculo “Um Navio no Espaço ou Ana Cristina César” no 17º Porto Alegre em Cena – Divulgação

Gaúcho de Lavras do Sul, Paulo José (1937-2021) chegou a Porto Alegre em 1954. Na cidade, formou o Teatro de Equipe com Paulo César Peréio, Luis Carlos Maciel, Itala Nandi, Ivette Brandalise entre outros jovens atores e atrizes. Depois, seguiu carreira em teatro, cinema e televisão no Rio e em São Paulo. Em 1999, recebeu o título de Cidadão de Porto Alegre da Câmara de Vereadores e retribuiu com um discurso amoroso no qual abriu seu fantástico baú de memórias. Confira: 

“Eu me lembro do meu primeiro encontro com Porto Alegre. A família vinha de Bagé, de carro, era noite. Eu cochilava no banco traseiro. Acordei quando entrávamos na Avenida Borges de Medeiros, ao lado da Avenida Praia de Belas, e aí eu vi imponente, monumental, maior do que a Igreja Nossa Senhora Auxiliadora e a de São Sebastião juntas, mais alto do que a Ponte Seca, mais bonito do que a casa do meu avô, o Viaduto Otávio Rocha. Depois, pela vida afora, vi outros espaços monumentais impressionantes: a Piazza San Marco, em Veneza, o Arco do Triunfo, o Coliseu de Roma, o Parlament House com o Big Ben, mas nenhum deles me fez o coração disparar como aquela visão dos meus oito anos. O Viaduto Otávio Rocha foi o meu primeiro alumbramento.

Eu me lembro que o Pão dos Pobres ficava nas margens do Guaíba, lá onde a cidade acabava. Eu me lembro que a lancheria das lojas Americanas era o ponto chique da cidade. Eu me lembro que tinha até banana split. Eu me lembro que eu sabia de cor todas as transversais da Avenida Independência, do Colégio Rosário à Praça Júlio de Castilhos: Rua Barros Cassal, Rua Thomaz Flores, Rua Garibaldi, Rua Santo Antônio, Rua João Telles. Eu me lembro da Pantaleão Teles, da Cabo Rocha, American Boite, Maipu, Gruta Azul. Eu me lembro do conjunto Norberto Baldauf, da Orquestra Espetáculo Cassino de Sevilha, do Conjunto Farroupilha, dos Quitandinha Serenaders: “Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito ainda chora…” Lembro da tristeza da minha mãe quando emprestei o violão do meu irmão para um baiano que estava passando uns tempos aqui em Porto Alegre. Eu me lembro que o meu violão nunca mais voltou e que o baiano se chamava João Gilberto.

Lembro do Hino Rosariense. Lembro que Maria Della Costa era garota da capa da revista O Globo, e tinha as pernas mais lindas do mundo. Lembro dos festivais Tom & Jerry nas manhãs de domingo no cinema Avenida, das matinês do Cinema Victória, dos cinemas Rex, Roxi, Imperial, Cacique. Lembro do mezanino do Cinema Cacique, que servia a última novidade em gelados, o Peach Melba. Lembro que todo o mundo detestava os filmes do Cecil B. de Mille, exceto o público.

Lembro que no abrigo dos bondes da Praça XV podia-se beber o caldo da salada de frutas, sem frutas, apenas seus vestígios. Aquela água era néctar dos deuses. Lembro do Vicente Rao, do Bataclan, do brique Ao Belchior, do Senhor Joaquim da Cunha, do Farolito e do China Gorda.

Lembro que pela margem direita eram o Javaí, Juruá, Purus, Madeira, Tapajós, Xingu, e pela esquerda o Japurá, Negro, Trombetas, Paru e Jarí. Eu me lembro que meus professores diziam que ensinamentos como esses seriam de grande utilidade para a vida. Lembro do irmão Ary, professor de Biologia, recusando-se a falar da teoria de Darwin: “Quem quiser que descenda do macaco, eu descendo de Adão e Eva”. Lembro que ele nos preparava para o vestibular de Medicina. Eu lembro do Pervitin que a gente tomava para passar a noite estudando e tirava nota ruim no dia seguinte.

Lembro do rodouro metálico e seu jato gelado que fazia tudo girar. Lembro do Gin Fizz, do Hi-Fi, do Alexander, da mistura de Coca-Cola com cachaça que levava o nome apropriadíssimo de Samba em Berlim. Lembro do footing da Rua da Praia, onde a gente exibia a camisa volta-ao-mundo, de nylon, e que diziam que iria revolucionar o vestuário masculino. Lembro das calças de brim-coringa farwest.

Lembro que a deusa da minha rua era a Maria Thereza Goulart, que não era ainda Goulart. Ela morava no edifício Glória e recebia visitas misteriosas de um João, este, sim, Goulart, que era invejado por toda a garotada da Barros Cassal.

Eu me lembro do tempo em que futebol se jogava com goleiro, com dois beques, três na linha-média e cinco no ataque e que, em geral, faziam-se gols. Eu me lembro do time do Inter, imbatível, nos anos 50: La Paz, Florindo e Oreco, Paulinho, Salvador e Odorico, Luizinho, Bodinho, Larry, Jerônimo e Canhotinho.

Eu me lembro de um tempo sem malícia, quando o estádio dos Eucaliptos torcia, gritando em coro: Co-Co-Colorado, Co-Co-Colorado, Co-Co-Colorado. Eu me lembro do Café Andradas, onde a gente ia matar aula e encontrava o Henrique Fuhro. O Abujamra, que anunciava tragicamente: “O homem é uma paixão inútil!… Mais um café, Macedo”.

Eu me lembro do Bar Matheus, na Praça da Alfândega, da Pavesa, do Treviso, da cadeira pendurada na parede, onde sentou Chico Viola. Da sopa, do mocotó levanta-defunto do Mercado Público, do sanduíche-aberto do Bar Líder, daquela mostarda amarela do Galeto do Marreta e, por fim, do cachorro-quente da praça do Colégio Nossa Senhora do Rosário, sem favor nenhum, o melhor do mundo.

“O sabonete Cinta Azul
Tem o prazer de apresentar
Um novo filme de caubói
Bat Masterson, Bat Masterson”
“Phimatosan,
Quando você tossir,
Phimatosan,
Se a tosse repetir”
“Ela é linda, aah!
É noiva, Ooh!
Usa ponds, Aah!”

Eu me lembro do desodorante para privadas Desodor, “Libera o ambiente dos odores estranhos”, do Detefon, do espiral Boa-Noite, da cera Parquetina, da creolina Cruswaldina, do formicida Tatu.

Eu me lembro que o Jeca Tatu tinha verminose, era pálido, maltrapilho, preguiçoso e roubado pelo patrão. E era um herói nacional… Eu me lembro das missas rezadas em latim, dos padres de batina e do seu indisfarçável sotaque da Colônia: “caríssimos irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo! Naquele tempo, vindo Jesus com os seus discípulos”…

Eu me lembro da Glostora, da Antisardina, “O segredo da beleza feminina”, Odorono, Cashmere Bouquet, “O aristocrata dos produtos femininos”, Lisoform Primo, poderoso desinfetante contra frieiras, pé-de-atleta, CC – cheiro de corpo, mau hálito e pós-barba.. Eu me lembro de um perfume da fábrica Colibri, Água de Cheiro Amor Gaúcho.

Eu me lembro de Ildo Meneghetti, o candidato invencível, e me lembro de sua quase absurda honestidade, quando declarou: “Meu maior erro foi ter derrotado Alberto Pasqualini, ele tinha um plano de governo e eu, não”.

Eu me lembro do dia 24 de agosto de 1954. A morte de Getúlio se alastrando pela cidade, incendiando a Rádio Farroupilha, empastelando o Diário de Notícias, destruindo a sede da UDN, depredando tudo que tivesse nome americano: o Consulado, as Lojas Americanas, até a American Boite…

Eu me lembro do P.F. Gastal, criador do Clube de Cinema e que me apresentou a alguns gênios da tela. Um deles, contava Gastal, se apresentou para uma plateia de apenas quatro pessoas, em Berlim, dizendo: “Sou ator de teatro, cinema, escrevo contos, programas de rádio, TV, dirijo filmes, peças, sou ventríloquo, ilusionista, mágico. Pena eu ser tantos e vocês tão poucos. Meu nome é Orson Welles”.

Eu me lembro do Teatro de Equipe, na General Vitorino, do Teatro de Belas Artes, na Senhor dos Passos, e da Confeitaria Atlântica, na Praça Dom Feliciano, ponto de encontro e desencontros dos artistas do Theatro São Pedro. Eu me lembro que nós, Luiz de Matos, Ivete Brandalise, Peréio, Nilda Maria, Mário de Almeida e tantos outros, trabalhávamos como diretores, cenógrafos, figurinistas, maquiadores, contra-regras. Eu me lembro que, às vezes, eu tinha a sensação de que éramos tantos e vocês tão poucos… Mas, eu me lembro que “qualquer prazer me diverte e qualquer china me interte!”

Eu me lembro que a Livraria do Globo era uma loja que vendia livros… Eu me lembro do Loxas, do Janjão, do Sunda… Mas, sobretudo, eu me lembro do Mário, aquele… Eu me lembro que: “Não adianta bater, que eu não deixo você entrar”.

Eu me lembro da Emulsão de Scott, do Calcigenol Irradiado, do Peitoral de Angico Pelotense, da Pomada Minâncora, das Pílulas de Vida do Dr. Ross, “fazem bem ao fígado de todos nós”, do Regulador Xavier, “vive melhor a mulher”, do Pó Pelotense, do vinho reconstituinte Silva Araújo, “V de Vida, R de resistente, S de saúde e A de alegria”. do rum Creosotado e dos reclames dos bondes da Carris: “Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem ao seu lado, e, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o Rum Creosotado”.

Eu me lembro, sempre, de não confundir capitão-de-fragata, com cafetão-de-gravata. Eu me lembro que até os craques da locução confundiam “alhos com bugalhos”. Ernani Behs, a máxima voz da Rádio Farroupilha, uma noite anunciou, solenemente: “Transmitindo do alto do Viadeiro Borges de Meduto…”. Eu me lembro que “Bartolo tinha uma flauta, a flauta era do Bartolo, sua mãe sempre lhe dizia: toca a flauta meu Bartolo”. “Coelhinho, se eu fosse como tu, tirava a mão da boca e botava a mão no…”.

Eu me lembro que: “Até a pé nós iremos, para o que der e vier…”. Eu me lembro de que não foi exatamente a pé, mas atravessando o mundo, de avião, que o Grêmio conquistou o Campeonato Mundial de Clubes. Do show de bola do Renato, Mário Sérgio e demais heróis tricolores. “Até o Japão nós iremos, para o que der e vier, mas o certo é que nós estaremos.”

Eu me lembro que: “O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar…”

Eu me lembro do Programa Maurício Sobrinho, do Clube do Guri e de uma caloura que diziam ser a nova Ângela Maria. Eu me lembro que ela morava na zona Norte e se chamava Elis Regina. Eu me lembro de uns versos:

“Elis, quando ela canta me lembra de um pássaro,
Mas não é um pássaro cantando,
Me lembra um pássaro voando”.
Eu me lembro de uns quintanares:
“Olho o mapa da cidade
como quem examinasse
A anatomia de um corpo
(É nem fosse o meu corpo).
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei…
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes
Há tanta moça bonita
Nas rua que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei…)
Quando for, um dias desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade do meu andar
(Deste já longo andar!)
E talvez do meu repouso…”

Eu me lembro de que o Viaduto Otávio Rocha foi o meu primeiro alumbramento. Era guri de Lavras, chegando nesta Cidade Grande. Esta cidade que me acolheu. Nela cresci, me fiz homem, aprendi ofício. Devo isso tudo a Porto Alegre. Hoje realizo uma fantasia de adolescência: ser porto-alegrense. Hoje, eu sou um cidadão da cidade que tem o Viaduto Otávio Rocha, orgulhosamente.

Agradeço a homenagem. Eu sempre lembrarei disso, sempre lembrarei, e me lembrarei”.

Paulo José


Edição: Katia Marko

Fonte: https://www.brasildefators.com.br/2021/08/12/eu-me-lembro-a-declaracao-de-amor-de-paulo-jose-a-porto-alegre

Campanha “Viva o Viaduto” – nosso velho sonho se realizando

Anos antes de abrirmos no “Viaduto da Borges” o Armazém Porto Alegre, já trabalhávamos voluntariamente para ver o viaduto assim, cheio de vida, bares, cultura e gastronomia.

Se tivermos braços e tempo suficientes, faremos uma série de publicações mostrando os caminhos percorridos ao longo de mais de uma década, com ações em prol do zêlo e da valorização desse imponente ponto turístico da cidade, que em 2022 completou 90 anos.

Seguimos!