Secretarias municipais divergem sobre finalização do projeto de reforma do local, e debates acalorados têm ocorrido, admite vice-prefeito de Porto Alegre
23/08/2014 – 04h01min
Atualizada em 23/08/2014 – 04h01min
ITAMAR MELO
O viaduto Otávio Rocha, motivo de orgulho para Porto Alegre, encontra-se em péssimas condições e precisa de restauro. Essa é a parte consensual. A partir daí, quase que só há dúvidas. Depois de uma década de discussões, moradores, comerciantes e diferentes órgãos da prefeitura ainda não se entendem sobre como, quando, com que dinheiro e de acordo com que modelo de viabilidade a obra será realizada.
O impasse atraiu as atenções na semana passada, com a realização de um seminário de cinco dias promovido pelo movimento de amigos do viaduto e pela associação que reúne os lojistas do espaço. O tema do evento era patrimônio cultural e políticas públicas, mas os organizadores não fazem mistério: a finalidade era colocar o viaduto em pauta e fomentar a pressão para que a recuperação saia do papel. O ponto alto veio no último dia do encontro. O projeto de restauração encomendado há três anos pela prefeitura foi, finalmente, exibido ao público.
Adacir Flores, presidente da associação dos comerciantes, conta ter obtido junto à Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) a autorização para que os planos fossem apresentados.
- Soubemos pelo arquiteto que o projeto estava pronto havia tempo. Mas não tínhamos acesso. A Smov liberou a apresentação e prestigiou nosso seminário. Mas parece que tem alguém na Secretaria de Cultura sentado em cima do projeto, porque acha que ele é ruim – afirma.
O arquiteto responsável, Alan Furlan, diz que entregou o projeto no passado e que recebeu apenas um pedido de alteração, já atendido no primeiro semestre:
- A Secretaria da Cultura está com o material há não sei quantos meses e não se pronunciou. Não sabemos por quê. Na minha opinião, está aprovado.
Três meses para a proposta final
A prefeitura, porém, afirma que o projeto ainda está em finalização pela empresa que Furlan representa, a Engeplus. Quem conduz a questão no município é o vice-prefeito Sebastião Melo. Ele reconhece que há discordâncias entre as secretarias e que foi estabelecido um prazo de três meses para uma proposta final:
- Os permissionários entendem que o projeto está finalizado, mas ele só estará finalizado quando todos os órgãos municipais concordarem. A Smov tem uma visão, a Cultura enxerga de outra forma. Existe essa divergência dentro do governo. Temos tido debates acalorados. Mas o governo não é a Smov e não é a Secretaria da Cultura. Não posso simplesmente dizer que a Cultura não aceitou o projeto. Tenho de apresentá-lo.
Questionado sobre que pontos emperrariam a aprovação, o vice-prefeito sugeriu que ZH questionasse Luiz Antônio Custódio, coordenador da Memória Cultural e responsável pela Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Epahc) do município. O próprio Melo ofereceu o número do celular para contato.
Custódio afirma ter analisado a última versão do projeto dois meses atrás. Em seguida, devolveu o material à Smov, com pedidos de mudança, que diriam respeito a leis e ao caráter histórico do viaduto. Está à espera das adequações.
- Existe uma conversa de que todo mundo está brigando. Mas a verdade é que o projeto não está aprovado. Ou seja, não está pronto. Há uma questão política, mas não quero polemizar, muito menos pelo jornal. Ao fim e ao cabo, a última instância é a Epahc. Não adianta bater boca em público. Todos perdemos.
Como o projeto oficialmente não está pronto, o custo estimado em R$ 33 milhões pela empresa contratada é desconsiderado pela prefeitura. Ainda que moradores e lojistas tenham se mobilizado para buscar patrocinadores, as autoridades municipais dizem que, sem projeto e sem orçamento, não é possível pleitear recursos. Essa é outra dificuldade. No ano passado, a restauração do viaduto estava listada entre as obras que poderiam receber verba do PAC Cidades Históricas. Como não houve uma definição, essa possibilidade não foi adiante. Teria de ser retomada, porque o município não tem recursos próprios.
Outro ponto em debate é garantir que, após o restauro, o viaduto não volte a se degradar. Uma hipótese em estudo é a cedência de um terreno público no Centro em troca da manutenção.
- Não adianta recuperar o viaduto sem remodelar a gestão – diz Melo.
Integrante do movimento criado para defender a obra, Ana Maria Lenz só deseja agilidade na definição:
- Como moradora dos altos do viaduto, digo que a situação é desesperadora. E o projeto conquistou todo mundo.
Intervenção que não convenceu
A restauração do viaduto Otávio Rocha começou a gerar controvérsia em 2004, apenas três anos depois de o monumento ter sido reinaugurado com pompa, em seguimento a demoradas obras de recuperação.
Os trabalhos haviam se estendido de 1997 a 2001. Saíram, na época, por R$ 835 mil. A promessa era que se tratava de uma intervenção profunda. Foram reformados passeios, pisos, revestimentos, esquadrias e instalações hidráulica e elétrica. Também houve restauração da iluminação e reparos na estrutura. Mal a obra terminou, os problemas voltaram com toda a força.
- Foi tudo muito malfeito – critica Adacir Flores, presidente da Associação Representativa e Cultural dos Comerciantes do Viaduto Otávio Rocha.
Diante da deterioração, o Ministério Público reagiu com uma ação civil pública para exigir que a prefeitura providenciasse nova obra e garantisse a conservação do viaduto. Em 2011, em primeira instância, a Justiça acatou a argumentação dos promotores e fixou um prazo de nove meses para apresentação de um projeto de restauro. Em caso de atraso, a prefeitura teria de pagar multa de R$ 500 por dia. O processo levou o município a encaminhar uma licitação para elaboração do projeto – apresentado publicamente na semana passada. No entanto, um recurso do município saiu vitorioso no Tribunal de Justiça, em 2012, suspendendo a decisão anterior – o que significa que a prefeitura não tem mais obrigação legal de recuperar o viaduto. O MP recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, que ainda não se pronunciou.
- Ao longo dos 10 anos de tramitação do processo, a prefeitura vem fazendo algumas coisas. Quando eles não fazem, é porque não têm dinheiro. Sabemos que é difícil, mas nosso papel é pressionar. Cumprimos esse papel com a ação de 2004, que teve algum efeito – afirma a promotora Annelise Steigleder.
Apesar de tudo, a imponência
Imundo, pichado, rachado, com água a vazar pelos cantos – mesmo assim, o viaduto Otávio Rocha continua a exibir uma imponência sem igual em Porto Alegre. Trata-se de uma grandiosidade que atravessa fronteiras. Cenário frequente de comerciais, ele produziu uma das imagens mais divulgadas da última Copa do Mundo, a de milhares de torcedores holandeses marchando sob suas arcadas.
A estrutura exerce fascínio porque é a obra mais arrojada que já se realizou em Porto Alegre, capaz de ainda hoje causar admiração e espanto em especialistas. Para entender sua importância, é preciso lembrar que a península na qual os açorianos começaram a povoação de Porto Alegre era atravessada em seu miolo por um morro cujo topo ficava na atual Rua Duque de Caxias. Para deslocar-se diretamente de uma margem à outra, durante um século e meio, os porto-alegrenses precisavam encarar uma penosa escalada.
Por isso, durante muito tempo o desenvolvimento da cidade se deu em uma das faces da colina, em direção ao cais. Mesmo no século 20, a topografia da área central ainda era um problema. Incapazes de vencer o aclive, bondes precisavam contornar toda a península, mesmo caminho imposto ao trânsito de mercadorias.
O viaduto foi projetado para superar essa limitação. A ideia era rasgar o morro e criar no espaço conquistado à pedra uma avenida moderna – a Borges de Medeiros – ligando as duas faces do Centro e facilitando o acesso à Cidade Baixa e à Zona Sul. Entre 1928 e 1932, abriu-se a montanha ao meio com dinamite, uma via estreita que concentrava crimes e prostituição foi apagada do mapa e dezenas de prédios sumiram em quarteirões desapropriados. No lugar, surgiu a avenida mais importante da cidade, a Borges. E sobre ela, no que antes era morro, erigiu-se em concreto, como símbolo de uma nova era para a cidade, o portentoso viaduto em estilo neoclássico – tombado desde 1988 como patrimônio histórico do município.
O que prevê o projeto
O arquiteto Alan Furlan concebeu uma proposta de restauro que recuperaria caraterísticas originais do viaduto:
- Iluminação – Segundo pesquisa do arquiteto, na época do inauguração o viaduto era o ponto mais luminoso da cidade. Ele propõe uma iluminação intensa e automatizada, controlada por computador, que permite trocas de cor.
- Escadarias e banheiros – Por dentro do viaduto, atualmente fechadas, existem quatro escadarias que fazem a ligação entre a parte interior e a superior. Elas seriam recuperadas e reabertas. Também seriam reabertos os quatro banheiros existentes na estrutura.
- Segurança – Para esse fim, seria criada uma sala específica, de onde seriam monitoradas as câmeras a ser espalhadas no viaduto.
- Memorial – Um dos espaços na parte inferior seria convertido em memorial, para contar a história do monumento.
- Aço e vidro – Todas intervenções que não faziam parte do projeto original serão em aço e vidro, para indicar marcar a diferença.
- Materiais originais – A intenção é se aproximar ao máximo do que o viaduto era no momento da inauguração. A promessa é que os materiais usados originalmente em revestimentos, pisos e aberturas sejam reincorporados.